MPF denuncia MSC Magnífica por crime de submissão de pessoas à condição de escravos
O caso de 13 trabalhadores brasileiros resgatados de um navio de cruzeiro de luxo em 2014 no Porto de Salvador da condição de trabalho escravo foi encaminhado na última sexta-feira (14/05) à Justiça Federal.
O grupo foi retirado da embarcação numa operação conjunta que contou com a participação do Ministério Público do Trabalho (MPT), que posteriormente ingressou com ação na Justiça do Trabalho, já julgada procedente em primeira e segunda instâncias e em apreciação pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). A nova ação judicial, agora na esfera penal, é movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra sete pessoas pelo crime de submissão à condição de escravos de trabalhadores do navio de cruzeiro MSC Magnifica, na temporada 2013/2014.
O crime está previsto no artigo 149 do Código Penal e pode sujeitar os responsáveis a pena de prisão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência. Os 13 trabalhadores, contratados por intermédio de empresas brasileiras que arregimentavam mão de obra para a MSC Crociere S.A., trabalhavam no MSC Magnifica em condições análogas à de escravos. A fiscalização detectou que eles cumpriam jornadas de 11 a 16 horas diárias, sem descanso semanal de 24 horas, com períodos de intervalos fragmentados ao longo da jornada e frequentemente interrompidos por atividades de trabalho paralelas, reuniões de trabalho, sistema de prontidão, além de treinamentos de segurança. Também não tinham direito a férias, décimo terceiro salário, FGTS, dentre outros direitos previstos na Constituição Federal e na legislação trabalhista brasileira.
Os tripulantes – que exerciam funções de camareiros, assistente de camareiros, atendente de bar, atendente de bufê, garçom e assistente de garçom – relataram, ainda, que eram submetidos a forte pressão psicológica por parte das pessoas denunciadas pelo MPF: oficiais e chefes da embarcação, que os assediavam moralmente por não se sujeitarem aos seus abusos. Mencionaram, inclusive, o uso de expressões preconceituosas, seguido de ameaças fundadas na perspectiva de que a situação deles poderia piorar quando o navio saísse do alcance das autoridades brasileiras.
Segundo as investigações, antes da assinatura de contrato com a MSC, havia um comprometimento financeiro inicial por parte dos trabalhadores, decorrente do pagamento de cursos de formação, exames médicos e passagens aéreas para atuar nos postos de trabalho. Tal endividamento deixava essas pessoas vulneráveis e suscetíveis às pressões e exigências por parte dos prepostos da empregadora, dado o receio de serem despedidas sem sequer receber o suficiente para cobrir os gastos realizados para ingressar no quadro de funcionários da MSC.
Assédio moral – O ponto de partida da investigação foi a inspeção realizada em março e abril de 2014, por uma força-tarefa que avaliou as condições de trabalho a bordo do navio de cruzeiro MSC Magnifica, que atracou nos portos de Santos (SP) e Salvador (BA). A equipe contou com integrantes do Ministério Público do Trabalho, do então Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da Marinha do Brasil, da Advocacia-Geral da União, da Defensoria Pública da União e da Polícia Federal.
A operação destinada à fiscalização das condições de trabalho a bordo do navio do MSC Magnifica foi deflagrada a partir de denúncias apresentadas por trabalhadores brasileiros e pela Associação de Vítimas do Trabalho em Navios de Cruzeiro, que relatavam práticas de assédio, jornadas exaustivas e exploração predatória do trabalho dos brasileiros em cruzeiros marítimos, notadamente nos navios pertencentes ao grupo econômico liderado pela sociedade empresarial MSC Crociere S.A.
No curso das averiguações, 175 trabalhadores brasileiros preencheram questionários por meio dos quais confirmaram perante a força-tarefa as reclamações referentes à jornada de trabalho. Relataram, ainda, a prática de perseguições e discriminação no ambiente de trabalho, além de problemas com a qualidade e disponibilização de água, alimentação e atendimento médico. Segundo apurado nessas entrevistas, 105 trabalhadores demostravam insatisfação quanto à forma como eram tratados pela empresa e 102 deles afirmavam trabalhar 11 horas ou mais todos os dias, sem folgas.
Considerando a documentação reunida durante as investigações e os relatos dos trabalhadores e chefes da embarcação, os auditores-fiscais do trabalho da Superintendência Regional do Trabalho da Bahia, então vinculada ao extinto Ministério do Trabalho, chegou à conclusão de que 13 trabalhadores brasileiros trabalhavam no MSC Magnifica em condições análogas à de escravos.
Segundo o MPF, na denúncia encaminhada à Justiça Federal, “conforme conclusões lançadas nessa parte do Relatório de Ação Fiscal, o sistema de jornada e descanso praticado pela MSC não permitia que os trabalhadores repousassem adequadamente em nenhum momento ao longo de meses embarcados, não deixando tempo livre para que essas pessoas convivessem, ainda que por meio virtual, com a família e os amigos, bem como para que se restabelecessem física e psicologicamente através da prática de atividades recreativas, esportivas e religiosas”.
Condenação – Os mesmos fatos da denúncia apresentada na última sexta-feira pelo MPF já foram processados e julgados na esfera trabalhista pela 37ª Vara do Trabalho de Salvador (BA). A partir de ação do MPT, a justiça reconheceu a incidência da legislação brasileira nos contratos de trabalho dos tripulantes resgatados, concluiu pela existência da prática de jornada exaustiva a bordo do MSC Magnifica e condenou o grupo liderado pela MSC Crociere S.A. ao pagamento de indenização no valor de R$330 mil a título de danos morais. A decisão, confirmada pelo Tribunal do Trabalho da 5ª Região, está submetida ao Tribunal Superior do Trabalho por conta de recurso da empresa.
Na denúncia ajuizada pelo MPF, busca-se a condenação dos funcionários da MSC que sujeitavam os brasileiros à condição análoga a de escravo sob a ótica da lei penal brasileira que prevê o crime de “reduzir alguém a condição análoga a de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.
Com informações da Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República na Bahia